Sou uma boneca de trapos...
Fui criada pela minha mãe que era muito pobrezinha,
mas como éramos muitos filhos ela tentava agradar a todos por igual.
Chamo-me Lulu!
Fui feita com restos de tecido (a que chamamos de trapos)
e cada membro do meu corpo tem a sua cor padrão.
Sou muito flexível...
Posso ser muito grande como muito pequena,
de rosto claro como negro, porque o resto depende do tecido.
Mas como boneca de trapos que sou tenho a minha beleza,
porque também a beleza existe nas pequenas coisas...
O feio torna-se bonito quando amamos...
O gostar é gostar de algo... sapatos, calças, livros, carro, coisas...
Amar é amar o ser humano... mãe, pai, irmão, namorado, marido...
Amar é um sentimento, uma emoção...
Eu, a Lulu, uma boneca de trapos represento para alguém um valor emocional,
um gostar, um significado, uma lembrança de algo na vida de alguém.
Sou desejada pela minha insignificância porque pertenço a um mundo de dificuldades
e essa lembrança trás de volta o meu mundo adulto
que apesar de ter sido doloroso fez e continua, até hoje, a fazer-me sonhar...
Tenho cabelos de lã, cara redonda, olhos grandes
e uma boca pintada de vermelho, sempre com um sorriso...
Aliás, todos nós temos sempre um perfil muito idêntico uns com os outros...
Sou uma imaginação desta mãe sobrevivente, de um mundo angustiante,
onde há a necessidade de sonhar...
O sonho comanda a vida e é muito triste quando deixamos de o fazer...
Todos gostam de mim, andam comigo ao colo...
Tenho muitas mães, também porque têm pena de mim, coitadinha...
Para a cabeça dos seres humanos estou sempre desprotegida...
A alma do humano tem necessidade de proteger o que está desfavorecido...
O instinto fala mais alto quando se trata de um ser mais fraco.
Mas sou considerada uma boneca como tantas outras.
Não de porcelana, porque essas estão sempre guardadas em cima do guarda-roupa...
Posso andar sempre suja, mas tenho a vantagem de andar de mão em mão...
Não saiu para passear...
Sou apenas uma boneca de trapos e o feio escondemos...
Lulu tinha uma amiguinha muito gira, mas de diferente classe social.
Todos lhe chamam de Barbi.
Barbi princesa, barbi esquiadora, barbi cavaleira, etc.
A palavra barbi estava sempre ligada a alguma actividade, nunca estava só...
Um dia por força do destino cruzámo-nos na rua,
enquanto uma das donas olhava a montra, e aproveitámos para falar.
Perguntei-lhe porque estava tão triste e com lágrimas nos olhos...
Sim, sou uma boneca...
Não tenho alma, mas os humanos têm, respondeu-me.
E antes gostava tanto de ser como tu, Lulu...
Apenas uma boneca de trapos,
porque todos te podem pegar ao colo, brincar sem medo de estragar
e eu sinto-me sozinha, cada vez mais num mundo de solidão...
Pensei para comigo...
Como sou tão feliz por ter sido criada por uma mãe, e não por uma fábrica...
Tenho o meu registo personalizado...
Afinal eu tenho vida...
Sou a Lulu rodeada de afectos, desabafos, ternura e muito amor...
Sou um sonho de criança...
Esta lição entendeu Lulu: nunca devemos deixar de ser quem somos...
O importante é o ser e não o fingir que somos...
E todos gostam de nós porque somos assim...
Apenas bonecas de trapos...
Lulu...